Responsabilidade nas redes sociais: o que está a acontecer?

responsabilidade e redes sociais

Não queria deixar de falar sobre um dos temas da maior importância no contexto atual, o da responsabilidade nas redes sociais, na entrada deste novo ano. Qual o significado da palavra “responsabilidade” no Dicionário da Porto Editora? Este nome significa a qualidade de quem é responsável e também a obrigação de responder por atos próprios ou alheios, ou por uma coisa confiada. A verdade é que, em 2024, a responsabilidade nas redes sociais tem a capacidade de influenciar positiva ou negativamente grande parte do mundo. Porquê? E quais os riscos? O que está a acontecer?

As redes sociais chegam a quantas pessoas?

Chegam à grande maioria da população mundial. Afinal, existem 4,8 mil milhões de utilizadores de redes sociais em todo o mundo, representando 59,9% da população global e 92,7% de todos os utilizadores da internet. Em todo o mundo, o tempo médio gasto diariamente nas redes sociais é de 2 horas e 24 minutos e se somarmos tudo, gastamos diariamente 11,5 mil milhões de horas em redes sociais. A consumir informação, opiniões e conteúdos que esperamos serem responsáveis e bem-intencionados. Mas serão?

Fonte: https://www.searchenginejournal.com/social-media-statistics/480507/

Responsabilidade e comunicação

responsabilidade e redes sociais

A responsabilidade é um nome que representa o ato de responder pelas próprias ações ou de terceiros. O que significa ser responsável? Significa agir de acordo com a lei, cumprir obrigações e assumir as consequências dos próprios atos. Vou contar uma pequena história…

Ao longo da minha passagem de 15 anos pela Indústria Farmacêutica, em diversos cargos de gestão, fui responsável pela comunicação de vários laboratórios, em inúmeras áreas terapêuticas, para médicos, farmacêuticos e administrações hospitalares. Nessa comunicação estava incluída toda e qualquer forma de divulgação de novos medicamentos, dispositivos médicos, suplementos alimentares e produtos de dermocosmética.

Todas estas soluções estão devidamente enquadradas e legisladas a nível nacional e europeu, com (mesmo) muitas regras, as quais têm de ser escrupulosamente cumpridas. Por exemplo, uma simples brochura de um medicamento não sujeito a receita médica (como um xarope) que é entregue ao consumidor numa farmácia, tem de passar pelos olhos e crivo de vários departamentos dentro de um laboratório (empresa comercial) que por sua vez submete este tipo de suporte às entidades que fiscalizam, por exemplo, o Infarmed.

Qualquer palavra, vírgula ou ponto final podem alterar radicalmente o significado de uma frase, a qual foi escrita e revista pelos olhos atentos do marketeer (que quer vender o produto) mas também do departamento médico e do departamento de assuntos regulamentares (responsáveis pela compliance à legislação), e todos assinam, de forma corresponsável (incluindo o diretor geral), que o conteúdo daquela brochura cumpre escrupulosamente a lei. Quero com isto dizer que, por exemplo, não é possível utilizar palavras como “o melhor” ou “100% eficaz” sem uma sólida base científica (devidamente referenciada com bibliografia) ou dar a entender que determinado produto “cura”, “trata” ou “resolve” todos os males do planeta. Aliás, posso dizer que em toda a minha vida profissional nunca vi a expressão “o melhor” aplicada a produtos de saúde, incluindo dermocosmética. Por isso, não, não é possível chamar a um sérum “Gotas milagrosas” ou dizer “Cura para a queda de cabelo”.

Ser responsável nas redes sociais

Ser responsável nas redes sociais não é mais que transpor a responsabilidade da nossa vida pessoal e profissional para o ecrã. Com a diferença que num telefonema eu falo com uma pessoa ou um grupo pequeno de amigos, e nas minhas redes sociais, por exemplo, eu posso escrever numa story uma frase que chega a muitos milhares de pessoas. Que frase é que estou a escrever? É uma opinião? Estou a referenciar o trabalho de alguém? E nesse campo, tenho a certeza de que aquela pessoa pode ser referenciada para o que estou a recomendar? Estou a usar o termo “melhor tratamento para…” com que base? Se falo de produtos relacionados com a saúde, percebo alguma coisa sobre o tema? Ou limito-me a escrever um copy enviado por uma agência de relações públicas? Consigo avaliar um convite para um evento na perspetiva da validade científica que tem ou vou lá para almoçar e tirar fotografias para as minhas redes sociais?

A responsabilidade nas redes sociais é pensar tudo isto e muito mais.

O facilitador de uma utility (como uma rede social, por exemplo a Meta no caso do Instagram) tem responsabilidades com a estabilidade, a confiabilidade e a segurança da mesma. Eventualmente, pode ser chamado a colaborar com as autoridades ou agir por conta própria – por exemplo, ao limitar ou inativar uma conta de alguém ou marca em concreto – mas essas são ocasiões excecionais e requerem movimentação judicial. Neste enquadramento, a responsabilidade das redes sociais em si limitar-se-ia ao aspeto técnico (estabilidade e confiabilidade), à proteção da privacidade (segurança) e a obedecer a ordens judiciais para remover certos conteúdos ilegais.

Mas o que circula nas redes sociais é muito mais do que uma utility. É conteúdo. São textos, imagens, vídeos. E para quem publica conteúdo nas redes sociais, em teoria surge o “fantasma” da responsabilidade editorial: de ser chamado a responder legal ou moralmente por aquilo que as redes sociais disseminam. Ao contrário, por exemplo, de uma empresa que fornece água, em que são indiferentes os efeitos que a água produz sobre o consumidor (se ele decidir inundar a casa isso não é um problema da empresa), por exemplo um jornal não tem como ser indiferente aos efeitos do que aparece escrito nas suas páginas. O jornal responde pelo impacto das informações falsas ou sensacionalistas que distribui, no mínimo, em termos de imagem e reputação, mas também judicialmente. O jornal tem a responsabilidade ética pelo que publica.

Então onde encaixam as redes sociais? Ou elas precisam de um novo modelo próprio?

responsabilidade e redes sociais

A questão da (ir)responsabilidade das redes sociais pelo conteúdo que nelas circula ganha cada vez mais destaque dado o seu potencial para disseminar e popularizar desinformação. A tal ponto que isto já foi reconhecido e transformado em arma, como todos sabemos, por grupos políticos.

A televisão e a imprensa escrita não se limitam a disseminar conteúdo, produzem-no. Seguem linhas editoriais que orientam o que vai ser publicado, e como. Mesmo quando abrem espaço para comentários independentes, espera-se que exerçam um dever de curadoria e, quando falham nisso, são cobrados. Já as redes sociais não têm (ou quase não têm) controle algum sobre a produção do conteúdo que disseminam; esta é parte da sua “atração” e a sua colaboração para a democracia (de acordo com alguns). Esperar que tenham as mesmas responsabilidades editoriais e os mesmos deveres de curadoria de um jornal ou revista talvez até inviabilize a sua presença.

E o problema que isto levanta? Vamos analisar:

  1. Vídeos e textos nas redes sociais chamam mais a atenção do que publicações estáticas, o que torna as redes cobeneficiárias do sucesso de tudo que publicam – mesmo das mentiras, calúnias e fraudes
  2. As redes sociais têm um alcance e uma velocidade que nenhum jornal ou revista terá, o que torna o potencial de dano da desinformação muito maior
  3. As redes sociais em si (Instagram, TikTok, Facebook), embora não produzam conteúdo, exercem sim um controle editorial sobre o que publicam, por exemplo, pelo número de likes e interação de uma publicação, pelo facto de a publicação ser paga ou por outros fatores claramente enviesados que decidem o que vai ser exibido a quem, com que frequência e em que horário

Sounds spooky?

Redes sociais, marketing e… quando “vira” crime

Para quem não assistiu em 2023 à minha ida a tribunal em defesa do ato médico, em Maio do ano passado ganhei em tribunal uma ação colocada contra mim por duas pessoas não médicas pelo alerta que faço nas minhas redes sociais sobre procedimentos médico estéticos terem de ser feitos por médicos. A minha indignação, enquanto consumidora mas também enquanto profissional da área, prende-se com a divulgação de clínicas, influencers, até “editoras de beleza”, que, de forma orquestrada, propositada ou simplesmente incompetente e leiga, chegam a centenas de milhar de pessoas no nosso país com as suas recomendações da prática de medicina estética com pessoas não médicas, prática esta que é crime. Saberão a gravidade do que estão a publicar e a recomendar? E das consequências legais?

O meu alerta prende-se com os malefícios de se recorrer a pessoas sem as necessárias qualificações e competências técnicas, recomendando sempre que se consulte um médico devidamente credenciado (deveria ser especialista na área ou ter a devida formação – assunto de que falei aqui). E não, não basta ser médico. Facilmente se pode saber se um profissional de bata branca (ou mesmo sem ela) é ou não médico (e qual a especialidade) nesta página do site da Ordem dos Médicos (basta preencher o campo “nome” e clicar em “pesquisar”).

Porquê este alerta? Os procedimentos médico estéticos carecem de diagnóstico, plano de tratamento e acompanhamento dos possíveis efeitos secundários e em momento algum podem ser delegados em pessoas não médicas. Os procedimentos médico estéticos podem resultar em hemorragia, infeção, reações alérgicas e granulomatosas, fenómenos vaso-espásticos, cegueira, necrose e mesmo a morte. Apesar de todos os alertas, e devido ao alcance de determinadas páginas, infelizmente milhares são as pessoas que continuam a ser ludibriadas pela clínica da moda, o tratamento que a celebridade fez, a análise ao fio de cabelo, entre outros exemplos perfeitamente distantes do rigor sério e científico que TEM de pautar a comunicação no seu todo, seja em media ou em digital. Sem as devidas denúncias (qualquer pessoa pode denunciar um espaço nestes links da ASAE, SPME e ERS por exemplo) esses espaços continuam de portas abertas.

Infelizmente estamos formatados para preferir milagres e bom marketing e nessas alturas pode acontecer que se esteja a cometer, promover e/ou a facilitar um crime. Infelizmente isto acontece nas redes sociais mas também na televisão e imprensa escrita. Quantas vezes já vi a palavra “médico” associada a quem não era…

Boas práticas nas redes sociais, legislação, qualidade e comunicação responsável

responsabilidade e redes sociais

Este é todo um tema por ele mesmo e recomendo a leitura deste artigo sobre os perigos e as responsabilidades de quem publica nas redes sociais, legislação, qualidade, regras sobre parcerias e ofertas, boas e más práticas e comunicação responsável.

As redes sociais e o papel importante na mobilização coletiva

Mas… as redes sociais não são apenas espaços para debate de opiniões ou para disseminação de informação / desinformação. Elas têm uma função importantíssima como plataformas de mobilização. Uma publicação nas redes sociais pode ser o ponto de partida para uma ação coletiva em tempo real. Um exemplo notável desta dinâmica é a rápida disseminação de informações úteis durante desastres naturais ou crises humanitárias. As redes sociais permitem que as pessoas solicitem ajuda, ofereçam donativos ou assistência e coordenem esforços de forma nunca antes vista. Quando começou a guerra na Ucrância colaborei com a Unicef para a divulgação da angariação de donativos e conseguimos fazê-lo de forma muito dinâmica e célere.

Além disso, as empresas também podem usar as suas redes sociais para incentivar a participação do público em iniciativas de responsabilidade social, gerando um impacto positivo tanto na comunidade quanto na perceção da marca. Dou como meros exemplos alguns que conheço bem, como as ações de recolha de lixo nas praias, o donativo de produtos cosméticos em cenários de guerra, as compras que revertem para uma causa humanitária ou para a preservação da natureza e do planeta.

O desafio da autenticidade: construir credibilidade nas redes sociais através da responsabilidade

Embora as redes sociais ofereçam um terreno fértil para a promoção de virtualmente TUDO, é crucial abordar o desafio da autenticidade à luz de 2024. Devido à facilidade das partilhas existe uma saturação de informação ao nosso dispor nas redes sociais. Para alguém se destacar e construir credibilidade, é fundamental que os conteúdos que publica e os seus esforços sejam genuínos e transparentes. As abordagens devem ser responsáveis e coerentes, alinhadas com os valores e práticas de cada pessoa (ou marca). Por exemplo, um dos pontos que tenho abordado nas minhas redes sociais diz respeito à sustentabilidade e minimalismo, na procura da qualidade e de peças ou objetos que realmente durem para uma vida com menos desperdício. Menos e melhor. Neste artigo falei sobre a forma como o minimalismo mudou a minha forma de consumir moda, por exemplo. E nessa perspetiva não poderia estar associada a marcas de fast fashion ou apresentar uma peça de roupa que não tem qualidade ou que vai durar uma estação / uma lavagem na máquina.

Por isso, a construção de uma presença online autêntica exige um compromisso genuíno com as causas e valores defendidos.

Outro exemplo são os milhares de mensagens privadas que recebo mensalmente. Não é incomum perguntarem-me o que posso recomendar para a rosácea, para a acne ou mesmo para um caso de atopia numa criança (!). É óbvio que são doenças e que têm de ser vistas com um médico. Porquê? Porque é necessária uma análise, prescrição de tratamento (que pode incluir produtos cosméticos, mas que são apenas uma parte da “equação”) e acompanhamento. E não se gostou de um médico? Troque-se para outro. A solução não são as “Gotas milagrosas”. Porque as gotas nem poderiam ter esse nome.

Em conclusão

À medida que o mundo digital continua a evoluir, as redes sociais são peças chave e agentes de mudança porque proporcionam uma arena global para a discussão de causas que podem ser debatidas, apoiadas e transformadas em ações. No entanto, com o poder de tocar quase 60% da população mundial, vem a responsabilidade de agir de forma autêntica, da defesa dos valores pessoais, da responsabilidade e da ética e sobretudo do cumprimento da lei.

Ao construir ligações com significado, amplificar vozes e mobilizar a sociedade, as redes sociais têm o potencial (repito, o potencial) de criar um mundo mais consciente e solidário. Mas o desafio agora é aproveitar esse potencial de forma responsável, publicando verdade, ciência e factos.

 

 

Fotografia: Brand Photographer

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