Teresa Peixe: cuidar e informar como Farmacêutica de Família

Farmacêutica de Família

Acompanho o trabalho da Teresa Peixe no perfil de Instagram Farmacêutica de Família (@farmaceuticadefamilia) desde que colaborámos num projeto que foi especial para ambas. Desde então, sigo com atenção as suas publicações, sempre focadas em criar literacia em saúde e esclarecer tanto a população como outros profissionais sobre temas relevantes, desde os cuidados essenciais em casa a informações úteis para quem trabalha em farmácia e não só. Adoro participar no “Penso Rápido”, uma rubrica onde a Teresa desafia os seguidores a refletirem sobre questões frequentes em saúde e medicamentos. Esta é a sua missão.

Teresa, tens um projeto muito interessante nas redes sociais, a Farmacêutica de Família. Qual foi o teu objetivo quando criaste este projeto e que lacunas sentes que existem e às quais podes dar (ou tentar dar) alguma resposta?

Teresa Peixe: Quando criei o projeto Farmacêutica de Família, estávamos a meio da pandemia e tive dois objetivos fundamentais: disponibilizar-me como profissional de saúde para responder às perguntas que me fossem enviadas e transmitir informação fidedigna. Tudo, claro, dentro do âmbito farmacêutico. O meu foco era, e é, responder a questões relativas a sintomas, medicamentos e suplementos, e também dar resposta a perguntas que muitas vezes não são feitas na farmácia por vergonha ou falta de privacidade, o que de início me surpreendeu bastante. Costumo também acompanhar a situação que motivou o contacto para perceber a sua evolução. Para além disto, obviamente, sempre que necessário, encaminho a pessoa para uma consulta médica ou para uma farmácia.

A maior lacuna de que me apercebo e que tento preencher é a falta de consciência que as pessoas têm da sua falta de literacia em saúde. Muitas pessoas acreditam que sabem automedicar-se ou, pior ainda, que sabem medicar outras pessoas, a quem oferecem conselhos e sugestões. Apesar disto defendo que não podemos culpar apenas as pessoas que disseminam a informação incorreta, mas também quem a procura, já que frequentemente valorizam mais a rapidez do que a qualidade da informação. Existe uma tendência crescente em confiar na opinião de indivíduos sem formação em saúde em detrimento de profissionais qualificados. Como costumo dizer, e tu também, o aumento do acesso à informação veio acompanhado de um aumento da desinformação. Nem todos são profissionais de saúde e aqueles que não são devem reconhecer a importância do conhecimento especializado.

Eu, como profissional de saúde, nunca me esqueço da responsabilidade que tenho pela vida de outros e essa responsabilidade deve ser respeitada e é muitas vezes invocada, quando algo não corre como esperado.

Enquanto farmacêutica deparas-te com uma série de dúvidas e receios dos utentes. Uma das quais relacionada com os efeitos secundários. E este é o circuito habitual: uma pessoa vai a uma consulta médica, o médico prescreve um medicamento, a pessoa vai ler tudo sobre o medicamento online e chega a pensar não o tomar devido aos efeitos secundários que leu. Isto é certo ou errado? O que diria a Farmacêutica de Família?

A frase está correta, mas o comportamento está errado. Infelizmente, algumas pessoas chegam mesmo a não fazer a medicação.

Todos os medicamentos e suplementos alimentares têm o potencial de causar efeitos adversos e, embora os efeitos sejam descritos para a generalidade da população e testados em grandes grupos, a sua ocorrência pode variar de indivíduo para indivíduo, já que esses efeitos dependem da sensibilidade individual de cada pessoa. Não devemos esquecer que os medicamentos disponíveis no mercado passam por testes rigorosos que os validam como seguros e que as informações presentes nos folhetos informativos, incluindo os efeitos adversos, são exigidas por lei e não significam necessariamente que esses efeitos irão ocorrer em todos os casos.

Além disso, é claro que, quando existem efeitos secundários mais comuns ou transversais, o médico geralmente informa o doente. Ainda assim, se após a consulta médica, a ida à farmácia e depois da leitura do folheto informativo surgirem dúvidas, é aconselhável voltar à farmácia ou contactar o médico que fez a prescrição para esclarecê-las. Muitos serviços de saúde oferecem a possibilidade de contacto por e-mail para este fim.

Recebo muitas mensagens, e na farmácia também acontece, de doentes que acabam de sair de uma consulta e questionam e receiam o tratamento prescrito. Na grande maioria das vezes isto acontece porque não fizeram as perguntas necessárias para esclarecer as suas dúvidas e inseguranças durante a consulta. A maioria das pessoas vai às consultas sem prepará-las e isso tem de mudar. Eu tento sempre salientar a importância de preparar uma consulta com foco na informação que deve ser transmitida ao médico e nas questões que devem ser colocadas para que saiam da consulta mais informados e mais tranquilos, tentando desta forma minimizar a possibilidade de recorrerem à internet para pesquisas em fontes alarmistas e sem base científica, tentando também evitar que acabem por decidir não tomar a medicação ou, pior ainda, que comecem a tomar um medicamento recomendado por um vizinho, que teve ótimos resultados sem efeitos secundários…

Acima de tudo é fundamental não deixar de tomar um medicamento prescrito com base em informações que não sejam veiculadas por profissionais de saúde.

É possível comparar a eficácia de um tratamento entre duas pessoas? Porque é que existe esta tendência tão marcada em comparar os resultados entre duas pessoas completamente diferentes?

Farmacêutica de Família

Todos os medicamentos são estudados em grandes grupos populacionais e nesses estudos o efeito tende a ser similar, com uma variação mínima entre as pessoas. No entanto, individualmente, pode haver alguma variação na resposta ao medicamento e, por isso, pode ser necessário ajustar a medicação para cada pessoa.

Por exemplo, ao prescrever um medicamento para controle da pressão arterial, é esperado que o medicamento reduza a pressão arterial em todos os doentes. No entanto, o grau de redução pode variar de pessoa para pessoa e em alguns casos pode ser necessário ajustar a dose ou até mudar o medicamento para alcançar o efeito desejado. Assim se vê que comparar os resultados de um tratamento entre duas pessoas não é sequer útil, porque cada pessoa é única.

Parte-se de terapêuticas baseadas em evidências que, depois, são individualizadas para cada doente. Ou seja, cada medicamento tem um perfil de efeitos adversos, contraindicações e interações que não se reflete da mesma maneira em todos, porque cada pessoa tem a sua genética, a sua saúde geral, a sua medicação, o seu estilo de vida, o que justifica que para uma mesma patologia possam ser indicados medicamentos diferentes. Portanto, comparar tratamentos entre pessoas diferentes por quem não tem formação para, eventualmente, poder relacionar todas estas variáveis é um risco.

Existem receios sobre a toma de medicamentos (devido aos efeitos secundários, em parte) mas parece não haver receios quando se fala em suplementos alimentares. Qual é a tua opinião? Os suplementos são inócuos, podemos tomá-los “à vontade”?

A maioria dos suplementos alimentares não apresenta problemas de maior, apesar disso é importante perceber que, por exemplo, algumas vitaminas, como as lipossolúveis (A, D, E e K) em doses excessivas podem acumular-se no organismo e causar toxicidade. Também não nos podemos esquecer que pessoas com determinadas condições de saúde como, por exemplo, insuficiência renal, não podem tomar certos suplementos, com risco de agravar a situação ou de surgirem complicações. Outro fator a ter em consideração é a interação dos suplementos com medicamentos, interferindo com a sua eficácia ou causando efeitos adversos.

Em conclusão, os suplementos alimentares podem ser benéficos quando usados corretamente, mas não são inócuos e deve sempre ser pedida uma orientação profissional para garantir a sua segurança e eficácia.

Uma questão frequente está relacionada com o “químico vs natural”. É muito comum pessoas que sofrem de uma patologia referirem que não querem fazer químicos (medicamentos) e preferirem soluções “naturais”. Quais os perigos deste tipo de abordagem? Natural é melhor que químico?

Há uma ideia preconcebida e culturalmente defendida de que o natural não faz mal e que o químico, por ser sintético, pode ser prejudicial. Esta visão, para além de simplista, pode ser perigosa.

As substâncias / medicamentos produzidos em laboratório têm muitas vantagens e estão exaustivamente estudados relativamente aos seus efeitos benéficos e efeitos adversos, sendo a sua produção rigorosamente controlada, o que garante a sua qualidade. Ao contrário, a maioria dos produtos ditos naturais não passam por estudos e controlos de qualidade rigorosos.

Além disso é importante ter em conta que o local de produção, o momento da colheita e o tipo de aproveitamento, ou seja, se se utilizam apenas as folhas ou as folhas e o caule vão influenciar muito a composição e a eficácia do produto, ou seja, um produto que pode ser eficaz e seguro pode passar  a tóxico e ineficaz, podendo causar efeitos adversos tão graves como os medicamentos sintéticos.

É importante também referir que muitas vezes a produção de produtos naturais envolve processamento com produtos químicos que muitas vezes não vêm referidos no rótulo. Portanto, natural não é sinónimo de seguro e não devemos continuar a chamar químico quando o que queremos dizer é produto de síntese de laboratório, porque acima de tudo não há nada mais natural que o químico nem mais químico que o natural.

Teresa Peixe, Farmacêutica de Família

 

O projeto Farmacêutica de Família representa uma tentativa de trazer mais proximidade e clareza entre a farmácia e a comunidade, num espaço onde todos se sintam confortáveis para esclarecer dúvidas de forma segura e responsável. A minha intenção, com o projeto Beautyst.pt, sempre foi criar um espaço de confiança onde as pessoas se sintam à vontade para procurar informação sem julgamentos, promovendo uma maior literacia em saúde. Se conseguirmos, pouco a pouco, que cada pessoa perceba a importância de procurar informação fidedigna e de respeitar, neste caso, o papel dos profissionais de saúde, então considero que o meu projeto já cumpriu uma parte importante do seu propósito. Em breve partilharei a segunda parte desta entrevista, com foco na literacia em saúde. Até lá… é obrigatório seguir o projeto Farmacêutica de Família, aqui.

 

Fotografia: gentilmente cedida pela Teresa Peixe

Posts relacionados

Saúde sem literacia: decisões que podem ter um custo elevado

Portugal arrisca-se a ser, não só, um dos países com mais dificuldades na Europa, mas também um dos que, por teima ou falta de conhecimento, acaba por refletir a tomada de decisões que comprometem a saúde e o bem...

Dezembro 4, 2024

Ainda sou do tempo… dos cosméticos de 70, 80 e 90

Quando penso nos anos 70, 80 e 90, sou imediatamente transportada para uma época de cor, estilos ousados e, claro, cosméticos icónicos que marcaram gerações. Neste artigo, convido-te a embarcar comigo e com o res...

Outubro 17, 2024

Raisi: a revolução na beleza e o novo ícone cosmético português!

Não há dúvida que o bálsamo Raisi é um novo ícone da cosmética nacional e uma verdadeira estrela em cuidados de pele! É um produto que francamente me orgulha por ser um magnífico exemplar de tudo o que de melhor ...

Junho 26, 2024

Comenta este post

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

As seguintes regras de RGPD (Regulamento Geral Proteção de Dados) terão de ser lidas e aceites:
Este formulário armazena o teu nome, e-mail e conteúdo para que possamos acompanhar os comentários colocados no site. Para mais informações, consulta a nossa política de proteção de dados, onde obterás mais informações sobre onde, como e por que armazenamos os teus dados.

recebe as novidades beautyst

    A

    Aceito as condições gerais. Consulta a nossa política de proteção de dados. Este website está protegido pelo reCAPTCHA e a Política de Privacidade e Condições do Serviço do Google são aplicáveis.

    My beauty Wishlist

    Copyright Beautyst . 2024